O encontro com o outro: sujeito-rede

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O encontro com o “outro”: conectando os nós da red

                                                Tadeu, Cleusa Pavan e Sheilla

O primeiro “nó” de uma rede é a vida que se expressa no encontro com o outro, o encontro com a alteridade, ou seja, o encontro com a diferença e com o outro na sua diferença. Primeiro aqui, não tem um sentido cronológico, mas sim ontológico. Ou seja, toda rede tem um primado na vida.

 

O encontro com o outro e com a vida que nesse encontro se processa é o nosso ponto de partida. Dessa forma, o respeito e o acolhimento à diferença são importantes componentes éticos para a construção de uma rede que se proponha a potencializar a vida e as relações humanas. Não existe rede de saúde que não passe, primeiramente, pelas relações humanas. A construção de vínculos afetivos e a construção de tecnologias relacionais possibilitam formas de comunicação fundamentais para a produção de redes de cuidado em saúde. Estamos falando, portanto, de redes vivas, que incluem as diferenças, mas que também possam produzir diferenças. A rede, neste caso, permite acessar o nível de complexidade das interações humanas. Sujeitos, indivíduos, pessoas, existências, o que quer queiramos utilizar para designar uma vida, são composições múltiplas e complexas.

Vamos olhar mais de perto este nosso primeiro nó da rede: o encontro com o “outro”, como se tivéssemos utilizando uma lente de aumento. À medida que formos passando pelos diversos “nós” da rede, devemos ir aumentando o ângulo da lente nos permitindo ter uma visão detalhada e panorâmica.

Cada pessoa possui uma história singular, marcada por trajetos únicos, composto perdas, conquistas e escolhas. Sejam escolhas sexuais, profissionais, religiosas, políticas ou de outra ordem, por perdas e conquistas. No entanto, essa singularidade está inserida no mundo. Estamos todos vivendo em extensas e complexas teias de relações sociais que se encontram em constante movimento. Isso nos faz estar, igualmente, em permanentes processos de redefinições, diante de novas escolhas e novas produções, individuas e coletivas. Não basta, portanto, no plano da prática e da intervenção, compreender que as pessoas são variadas e diferentes. Mais que isso, precisamos estar atentos a essa diversidade e às suas conseqüências nas interações que estabelecemos no dia-a-dia. Dessa forma, podemos perceber que o simples encontro com uma pessoa nos coloca, de imediato, em contato com redes de relações que estão constantemente se fazendo e refazendo

Os exemplos disso estão em todo parte: na relação com nossos filhos, companheiro, companheira, amigos, no ambiente de trabalho, nos grupos dos quais fazemos parte e na relação consigo. Afetamos e somos afetados porque estamos ligados uns aos outros, porque vivemos em rede, porque nos relacionamos para produzir a vida. Se passarmos a perceber o mundo dessa forma, veremos que nossa pratica cotidiana pode sofrer alterações.  

Tomando um exemplo importante do nosso cotidiano: ao acolhermos uma pessoa na emergência de um hospital, na sua própria casa através do Programa de Saúde da Família (PSF), ou num Centro de Atenção Psicossocial (Caps), entramos em contato com uma história de vida e com as redes de relações nas quais essa pessoa está inserida.  Redes permeadas por afetividades, hábitos e diferentes modalidades de trocas e interações que possuem um importante papel no processo de produção doença/saúde.

Determinado médico que atua no Programa Saúde da Família relatou, certa vez, o desenrolar do acompanhamento de uma criança de oito anos, que apresentava um quadro de febre alta sem causas orgânicas constatadas.  Sob efeito de medicação, a febre cedia, mas logo voltava. A diretora da escola onde estudava a criança já havia inclusive, dada a sua preocupação, solicitado a presença da mãe, pois percebia a criança muito quieta e desinteressada diante da realização das atividades escolares. Todavia, em outros momentos, reagia de forma agressiva com os colegas.

Nos contatos tidos com o médico, a mãe da criança falava pouco, apenas enfatizando que seu filho era um menino muito levado. Intrigado com a tristeza e apatia da criança, o médico e sua equipe decidiu ouvir, além da mãe e do pessoal da escola, outros membros da família chegando a constatar, após várias reuniões, que a família do garoto vivia graves conflitos e que a febre poderia ter um sentido ante as dificuldades do grupo.  Acreditou-se, de imediato, que a febre poderia estar evitando o espancamento constante do garoto por parte do pai, uma vez que, esse, ao se chatear com o garoto dizia:  “sua sorte é que você está doente”.

Se ampliarmos o foco e sairmos da queixa da febre, vamos encontrar, no contexto no qual está inserido o garoto, uma rede de relações (família, escola, unidade de saúde, etc.) que são fundamentais para a produção do seu adoecer.  Da mesma forma, veremos que, a partir dessas redes, poderemos encontrar as explicações e saídas possíveis.

Observar a realidade em rede implica, por conseguinte, observar os acontecimentos focalizando as suas interligações e o que produz cada ligação; implica  refletir sobre a  implicação de cada um dentro dos processos em curso. Por esse caminho, vamos identificar quais atores estão aí envolvidos, que negociações precisarão ser feitas, que lugares cada um desses atores ocupa no sistema de relações, que caminho poderão ser percorridos. Nessa ótica, o profissional ou a equipe de saúde não são, portanto, os únicos responsáveis pelo processo de buscas para as saídas das dificuldades ; a construção do novo passa, doravante,  pelo encontro e criatividade das diversas subjetividades envolvidas. No limite, todo sujeito se encontra inserido numa rede de produção de subjetividade. Todo sujeito é um ser em conexão com outros seres e outras vidas.

Ao tratarmos da rede no campo da saúde, devemos, pois, estar atentos tanto para as redes singulares onde está cada usuário, quanto para as redes onde está inserida cada unidade de serviço e para o modo como os diferentes serviços se comunicam entre si. A construção de redes de saúde inclui aspectos singulares que cada sujeito comporta e aspectos gerais que dizem respeito a um determinado território, a determinada população. A produção de saúde abrange processos que, geralmente, se estendem para além do campo da saúde propriamente dito. Lazer, cultura, esporte, educação, trabalho, e muitos outros campos estão diretamente ligados aos processos de produção de saúde. Produzir saúde exige, portanto, a construção de redes de cooperação que possam acompanhar a vida humana na sua mais ampla diversidade.

Precisamos então caminhar para outros “nós” da rede.