LEI DO ACOMPANHAMENTO, HUMANIZAÇÃO DO CUIDADO E DISCRIMINAÇÃO POR GÊNERO: UM DESASTROSO DESENCONTRO NORMATIVO

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A lei do acompanhante já é bem conhecida e, de certa forma, tem sido respeitada país afora, ao menos no que se refere à internação em hospitais de menores de 21 anos e maiores de 65 anos.

A despeito disto, uma rígida norma administrativa vem se tornando padrão em vários hospitais brasileiros que, muitas vezes, vai de encontro mesmo aos princípios da lei e àquilo a que esta rede sustenta como humanização dos cuidados em saúde. Aconteceu comigo, em família, e doeu na carne. Como psicólogo do trabalho e militante de uma certa convicção de humanização, da qual tenho orgulho de me considerar apoiador, este post visa lançar um manifesto contra a norma estapafúrdia de que o acampanhante deve ser do mesmo sexo do doente.

Sem nenhum critério técnico-científico para o cuidado em saúde, sem nenhuma base legal, esta norma administrativa, fundamentada em princípios morais retrógados e questionáveis e apresentando argumentos fracos, precisa ser equivocada para que deixe de brincar de ser lei, indo francamente contra a lei e efetuando o contrário do que a humanização propõe, negando direitos de alguns porque, na singularidade diferencial de suas vidas, não possuem consições de cumprir as normas, que se dizem defender o direito de outros e se preocupar com o bem-estar de todos, sem mesmo levar em consideração a história de vida do doente.

Como a hostória de vida não pode ser modificada para atender uma regra fria e insensata, a manutenção da regra caça direitos e impede de ser acompanhado aquele que, por lei, tem este direito.

Precisamos lutar urgentemente contra este estado de coisas e derrubar de vez esta norma desastrosa, para que, além do sofrimento que já causa em todos nós o padecimento dos nossos ente queridos, nos vejamos, num estado de fragilidade, obrigados a procurar a justiça para assegurar aquilo que já está dado como direito.

País afora existem pessoas recorrendo e “quebrando” a dureza monolítica deste tabu moralista, quase sempre com ganho de causa na justiça. Mas é preciso que lutemos para que esta não seja uma judicialização individual, mas uma questão resolvida de uma vez por todas.

Mais do que dizer que a humanização funciona em algum ponto, precisamos é de ações que assegurem o pleno exercício dela onde as pedreiras derrubadas se erigem de novo, de forma escamoteada, contra o fluxo das diferenças e singularidades de existência, principalmente num país continental como o nosso.

Comecemos, pois, a efetuar a humanização de onde ela nos clama.

Anexa, segue carta ao diretor de uma unidade de saúde, enviada por mim, após ampla argumentação com a supervisão de enfermagem, que não aceitou rever a regra. Uma carta longa, de 11 páginas, porque monta o entendimento e a argumentação de todos os principais aspectos apresentados pela questão.

Embora tivesse a tentação de reduzí-la para caber nos “formatos da internet”, desisti, porque também estas são normas que devemos equivocar, porque ler ainda é essencial e porque não se resume histórias de vida.

Acredito que a carta fala por si e ajuda a montar argumentos para a defesa da quebra da norma de gênero nos acompanhamentos em saúde como uma forma desastrosa de cuidado em saúde.

Ela é uma carta de manifesto de um profissional e de um ser humano que se sentiu aviltado e desrespeitado.

Vale dizer que ela surtiu efeito tardio, pois a unidade de saúde me contatou querendo resolver o problema, mas meu familiar já havia, graças a Deus, obtido alta e estava em casa. Sabia que tinha tudo para ser uma internação rápida. Mas esta luta não era minha, nem para aquele caso, mas para todos os outros vindouros que, mais cedo ou mais tarde, cada um de nós se verá de alguma forma frente a frente.