A PERSISTÊNCIA FAZ A DIFERENÇA

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(Texto produzido coletivamente pelo Grupo Participativo de Pesquisa composto por profissionais ligados às Residências Terapêuticas de São Bernardo do Campo)

Autores: Andreia Santana, Elizete Mendes, Daniela Lucca, Dayse Bispo Silva, Jaziele Xavier, Joana Costa, Joelma Souza, Maria Aparecida Nardini, Maria Raquel Viana, Maria Regina Lemes, Maria Sueli da Costa, Ruth Oliveira, Tatiana Pagels, Viviane Costa.

 

O desejo de trabalhar na saúde mental vai além da barreira de qualquer outro tipo de trabalho. Cada sujeito tem sua história e, com o nosso trabalho, nasce a cada dia um outro sujeito. Nasce uma descoberta e isso acaba despertando um entendimento mais amplo do que é cuidado na Saúde Mental.

Este trabalho só é possível com dedicação e trabalho em equipe. É importante se preocupar com o cuidado do outro: seja um(a) morador(a) de Residência Terapêutica ou seja seu colega de trabalho.

É importante falar do trabalho em equipe porque temos às vezes a falta de comprometimento e individualismo de alguns Acompanhantes Terapêuticos (ATs). A falta de respeito que muitas vezes acontece se torna explicita quando alguns ATs falam sobre cuidado com o(a) morador(a).

Muito se fala de amor, carinho, respeito, em fazer juntos e de repente nos deparamos com o individualismo, visando apenas o lado pessoal do trabalhador, deixando o(a) morador(a) em segundo plano. O que não deveria acontecer, pois o(a) morador(a) tem que estar em primeiro plano, independente da nossa relação com o colega.

No nosso trabalho os limites entre o pessoal e profissional são muito tênues, muitas vezes ultrapassando os limites de cada espaço. Isso aparece principalmente quando não estamos bem: “Se eu não estou bem, como é que vou cuidar do outro?”.

Quando não estamos bem, o corpo para, pede que você se cuide. Porém nem sempre isso acontece, porque temos responsabilidades dentro e fora da nossa casa e do nosso serviço (que também é uma casa). No entanto, tudo fica mais tranquilo quando você tem parceria. Mas e quando não tem?

O companheirismo para com seu colega de plantão nem sempre existe e, por fim, não se consegue desenvolver um trabalho. Sacrifica-se o corpo pela falta de respeito do colega AT.

Quando um(a) morador(a) está doente acabamos ficando preocupados em saber se o outro está cuidando bem. Em contrapartida, soltam-se piadas dizendo que se quer mandar no plantão ou que se quer ser chefe.

Entendemos que cada um tem uma forma de ver “A Residência Terapêutica”, e são muitas as ações a serem feitas, principalmente na capacitação sobre este serviço/casa.

Todos nós sabemos da importância do nosso trabalho e que essas questões colocadas até aqui falam da complexidade que é trabalhar como AT. Entendemos que nosso trabalho faz parte de uma engrenagem que finaliza em um bom trabalho e desejo de fazer diferente, de mudar um quadro de doença para uma estabilidade e bem-estar.

Desta forma, decidimos apresentar cenas do nosso cotidiano nas quais os conceitos-ferramentas amor, carinho, respeito, cuidado e afetividade estão presentes. Mostrar as cenas nos faz mais sentido do que tentarmos explicar o por que entendemos que estes são fundamentais para a realização do nosso trabalho.

 

Cena 1: Amor Acima de Tudo

Decidimos ir para praia, era meio nublado, mas isso não impediu nosso desejo de ver o mar. Estávamos perto do meio-dia quando demos falta de João. Logo veio toda a preocupação, medo e quase desespero de ter “perdido” o morador. Sempre pensamos que sair com eles é a nossa melhor forma de cuidado, mas quando isso acontece logo vem o sentimento de que somos responsáveis por aquele sujeito e agora ele “sumiu”.

Ligamos para todas as pessoas possíveis e rodamos a cidade inteira. Lá pelas dez e quarenta da noite chegamos na rodoviária da cidade. Lá estava João. O sentimento de felicidade e realização veio imediatamente.

Assim que ele nos avistou, ele saiu correndo em nossa direção dizendo: “Eu sabia que vocês iam me achar!!!”. Abraçou uma das ATs e disse:

–       Eu amo você! Você me ama?

–       Amo sim, João!!

Um abraço muito forte e apertado foi compartilhado.

Nesta hora é que vem uma sensação de vitória.

 

Cena 2: Um niver muito louco/emocionante

Na residência tem um quintal que tem uma churrasqueira e estavam nesse espaço muitas pessoas, pois estávamos fazendo uma festa de aniversário para duas moradoras.

Tínhamos uma mesa de doce e bolo, mais arroz, maionese, farofa e refrigerante e a cerveja sem álcool (sucesso imediato na festa). A música era dos anos 80, divertimo-nos bastante. Foi um dia de festa e foi maravilhoso! Cantamos parabéns, foram entregues os presentes e elas amaram.

Para nós o mais gratificante foi ver a transcendência da falta do filho de uma das moradoras. Ela o esperou até o último minuto. Ela sentiu a falta dele, mas não deixou que isso tirasse sua alegria de estar comemorando com os presentes na festa.

 

Cena 3: Mais um dia de trabalho

Estávamos na sala às seis da manhã, próximo ao sofá. Márcio e Pedro estavam vindo da cozinha, pararam e perguntaram para Maria, que é AT:

–       Você está com sono?

–       Estou sim…

–       Deite na minha cama e descanse até a hora de ir embora.

–       Não, tudo bem. Mas obrigada por oferecer.

–       Vai, deita!! Vai dormir!! Vai descansar!!

–       Não… está tudo bem!

–       Dorme! Você precisa dormir, vai, dorme, você pode dormir, eu deixo, deita na minha cama, pode deitar que eu cuido de você. Quando eu estou com sono eu deito e durmo, você também pode, vai dormir, eu deixo.

–       Não, meu amor, não quero dormir agora, quando eu chegar em casa eu durmo.

 

Cena 4: Companheirismo

Telefone toca na residência, Maria, que é AT vai atender:

–       Maria, aqui é Rosa [AT também]. Como estão as coisas ai?

–       Está tudo bem, eles estão aqui do meu lado falando ao mesmo tempo como sempre, mas está tudo bem. Só fale mais alto, para eu poder lhe ouvir melhor.

–       É que eu estou com um problema com minha mãe e não vou poder ir pro plantão, você pode dobrar?

–       Nossa… Você não vem? Avisou a referência?

–       Avisei e não tem ninguém que possa ir no meu lugar… Você pode dobrar?

–       Tudo bem, eu dobro.

 

Cena 5: Final Feliz!!

Sete horas da manhã chego na RT, toco a campainha e um morador olha o portão. Logo me vê, corre para pegar a chave e sai gritando:

– Você voltou, minha linda!!!

 Todos os outros moradores que estavam acordados também vêm correndo em direção ao portão, eufóricos e gritando:

– Você voltou!!! Você voltou!!! Você voltou!!!

Foi uma recepção que eu não esperava. Demonstração de carinho sem preço!!