Ideologia e afirmação da vida.

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A religião e o antipetismo.

Uma ideologia precisa de seu oposto. Seu valor não é negativo, nem positivo. É somente no contraste que ela pode se mover. Para passar a ideia de que seja uma afirmação, ela precisa se justificar no ataque a seu oposto.

Assim é o anti petismo. As ideologias liberais e conservadoras padecem da falta de uma afirmação autônoma. Trazem um pressuposto niilista em sua raiz.

Os direitos humanos padecem menos desse mal da ideologia. A humanidade é uma adjetivação problemática. Aponta um movimento, um devir. Mas, em essência, afirma a vida e a dignidade, o merecimento, para qualquer pessoa. Superam, portanto, a mistificação da culpa e do arbítrio absolutos.

A teoria da relatividade e a física quântica são mais do que ideologias. Não têm valor por serem mais verdadeiras que sua negação. De fato, não negam nada.

Afirmam, em condições específicas uma série de hipóteses preditivas. Ambas, não são complementares nem, isoladamente, verdades absolutas. Por isso, a diferença entre ideologia e ciência é grande.

O mundo em que vivemos é uma construção coletiva que parte do cálculo cada vez mais preciso de frequências. Daí vêm as ferramentas, as técnicas e a tecnologia.

De modo que, a ciência sem nem tocar a verdade, ao mesmo tempo em que não ameaça o mistério ancestral da humanidade, pode mais que a ideologia.

A ciência afirma. Diz sim a vida e as evidências. A ideologia totaliza, explica a posteriori e só se completa no que nega. Ou seja, só atinge consistência quando se anula.

O legado da ideologia tem sido invariavelmente a cegueira, o fechamento em cárceres do tipo viés de confirmação. Fundamentalismos, intolerância, preconceito, racismos, sexismo, homofobia, todos os “ismos”, desmoronam se não puderem contar com sua negação. Sem seu oposto, a ideologia se esvazia. Se revela negativa.

O máximo que uma ideologia pode atingir é o caos absurdo da soma zero. Tese e antítese se anulam, numa síntese neutra e imóvel , onde o valor tende para o nada.

A crise da ordem legal jurídica e social no Brasil se deve ao fato de que partes do STF, Congresso Federal e mídia elegeram um mau absoluto. Se tais instituições no Estado Democrático de Direito definiram um crime dos crimes, liberaram os demais criminosos.

A ordem dos signos desmorona quando o processo jurídico, não apenas realiza a prática do pré julgamento, mas o assume como regra. Tudo passa a ser disputa narrativa e arbítrio subjetivo. Jogos de linguagem com cartas marcadas são os predecessores da guerra civil.

Não que esse já não o fosse o caso nos guetos e favelas. Os determinantes da justiça são sempre externos e arbitrários para quem vive a margem da média incluída de nossa sociedade. O momento é dramático porque a demonização do outro se generalizou em todas as esferas sociais.

Temos de desconfiar dos governantes que apelam ao mal encarnado e à religião para conquistar legitimidade. E também dos místicos, inclusive os religiosos, quando invertem o sentido de reverência pelo mistério, em nome da adoração à verdade absoluta.

O que restaria de certos credos e filosofias sem o erro, sem o pecado e sem o demônio?

O antipetismo é, como a crença no progresso, uma forma recalcada de niilismo. Uma profissão de fé covarde que não pode existir sem negar. E se nega, se anula. Pois o mundo é plural e diverso e não uma redução ao certo e ao errado.

Uma provável afirmação da vida:

Há um tipo, a despeito de ser impossível provar ter existido historicamente, que poderia corresponder a pessoa de Jesus. Nietzsche pode ver seus contornos nas entrelinhas dos evangelhos.

Um poderoso sim a existência, articulado no interior de uma aceitação absoluta da vida. Uma total ausência de ressentimento ou julgamento. Apenas o estado da graça no aqui e agora. Uma visão coerente com os fatos da vida de Jesus e com a forma de seu martírio.

Não uma verdade, mas uma possibilidade que não pode ser recenseada, averiguada ou comprovada. Mas que está além da ideologia, além do dogma e da mistificação. Exatamente por não ser uma afirmação que exige uma negação. Por ter a simples e bela forma de uma hipótese.