Muita gente cantando (a mesma música?) no VER-SUS: breve histórico de um projeto de vivências e estágios no SUS.

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Figura 1. Paz ou Harmonia. 

Primeiro, quero fazer uma brincadeira com a tirinha de Chris Browne que foi utilizada no artigo “Intersetorialidade? IntersetorialidadeS!” (2014) de autoria de um sanitarista que admiro muito: Marco Akerman.

No decorrer do texto vou explicando o motivo da cantoria…

Foi proposto a mim, escrever um texto que apresentasse o projeto Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde (VER-SUS) sustentado entre os anos de 2003/2005 e reativado em 2011 pelo Ministério da Saúde.

É um projeto do Ministério que tem raízes antigas. Tão antiga que eu nem era nascido. Mas, resgatarei a história daquilo que sei: do que ouvi, li, e vivi nesse processo de ver o SUS. Em todos os (cinco) sentidos. Por isso, partirei da história que foi um projeto construído inicialmente pelo movimento estudantil de medicina, nutrição, e enfermagem junto com o governo federal. Na época, as executivas nacionais desses cursos não se entendiam, impossibilitando sua efetivação.

Então, um primeiro motivo para cantar (a mesma música?) no VER-SUS.

O movimento estudantil, em uma nova tentativa de organizar vivências no SUS, constrói uma importante parceria com os serviços de saúde de Porto Alegre para realizar vivências e estágios. Um estágio no SUS, uniprofissional, porque só estudantes de medicina participaram desta proposta. Isso em 2001.

Em 2002, o Ministério cria uma assessoria para articular as pautas dos estudantes e demais movimentos para pensar/reunir iniciativas inovadoras no campo da formação de profissionais de saúde. No ano seguinte, o VER-SUS ganha mais força em Porto Alegre e em 2004 se espalha por todo o Brasil, se tornando, VER-SUS/Brasil (2013).

Muita coisa aconteceu com o VER-SUS daquele tempo em diante em vários Estados e Munícipios. Um dos destaques, talvez, desse movimento é o início da Educação Permanente no Ministério. Iniciativas como estágios e vivências no SUS no campo da saúde mental, saúde rural, e para residentes em saúde marcaram a trajetória e identidade do projeto pelo país.

De 2007 em diante, não houve a condução do VER-SUS por conta de outras agendas prioritárias do Ministério da Saúde devido à criação da Política Nacional de Educação Permanente. Mesmo assim, possibilidades de vivências no SUS sempre aconteceram e, sempre, protagonizado pelo movimento estudantil da área da saúde.

Pode não parecer, mas o VER-SUS é fruto da mobilização de estudantes engajados com a construção do SUS em seus territórios. Seja por iniciativas de base (micropolíticas) ou pela dimensão mais macro da coisa.

Um segundo motivo para cantar (a mesma música?) no VER-SUS?

O VER-SUS é um projeto de estágios e vivências no SUS que tem como objetivo propiciar aos estudantes de graduação e pós graduação, ensino técnico da área da saúde, residentes em saúde e movimentos sociais conhecimento prático e teórico sobre a política de saúde nos municípios.

Esse grupo heterogêneo tem a possibilidade, a partir de estágios e vivências, mergulhar na rede de saúde, em imersão, nos diferentes níveis de atenção e gestão no SUS: na atenção básica, atenção especializada, saúde mental, urgência e emergência, atenção hospitalar, vigilâncias, controle social etc.

Imagens que valem mais do que minhas (mil) palavras:

https://www.youtube.com/watch?v=V_dEzdvKWD0

Nesse sentido, o VER-SUS/São Paulo desde 2014, vem se solidificando no campo da saúde como um projeto de extensão universitária voltado para o SUS. Passamos por diferentes munícipios realizando vivências em São Bernardo do Campo, Mauá, Guarulhos, Santos, São Paulo na região da Brasilândia e Heliópolis, Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF). E o Encontro Paulista do VER-SUS.

Para as próximas vivências em 2016, está em processo de articulação o VER-SUS Redes (irmãozinho do PET Redes): em atenção psicossocial e população em situação de rua. Além de uma vivência escola na ENFF. E mais produção de novidades!!!

Contudo, vale lembrar que o VER-SUS/São Paulo também é antigo. Edições pilotos em 2004. 2005. Grande expansão em 2012.  Possibilidades de vivências em 2013 com a gestão das mais variadas secretarias de saúde em São Paulo. Ganhando força em 2014 quando estudantes de Saúde Pública da USP, serviço social da PUC/SP e terapia ocupacional da UNIFESP/Santos organizam-se em coletivo para articular uma vivência em São Bernardo do Campo.

Fruto de muito trabalho!!!

Muitas vezes coletivo. Outras vezes nem tanto. Talvez, pela rapidez que precisamos para organizar as vivências, para escrever projeto, fazer orçamento, pegar assinatura com a gestão, fazer programação, entre outras, faz com que esse processo não seja assim tão coletivo. Quem organiza o VER-SUS sabe, dos pepinos que tem para descascar! 

No entanto, há de considerar no processo de formulação, implementação, planejamento do VER-SUS (seja em São Paulo ou em qualquer lugar) a disputa de projetos políticos para as vivências a todo o momento.

Alguns projetos onde há acordo. Outros, onde não há.

Mas, estranhamentos, conflitos, mais disputas, caras feias, bico torto, possíveis rasteiras, articulações por debaixo do pano, mãos invisíveis… Enfim… Processos que enriquecem o VER-SUS pela pluralidade de ideia porque todo mundo quer ter um pouco da sua identidade nas vivências, mas, enfraquece, porque todo mundo quer entrar no jogo e ser capitão do time.

“Mesmo na multiplicidade de interesses é possível obter algum tipo de resultado comum?” (AKERMAN et al, 2014).

Não é uma coisa que acontece só no VER-SUS, mas, uma coisa que acontece em qualquer lugar quando um projeto se torna exitoso e palco de debates, discussões, reconhecimento. Aí, fica fácil se incluir nessas agendas estratégicas de fortalecimento do SUS porque o trabalho já foi feito. De conquistar um espaço através de muito esforço e desqualificar o trabalho militante do outro.

Com o tempo, a palavra militante se tornou bastante banalizada pelo movimento estudantil. Muitas vezes, vinculada a partidos políticos. Fujo dessa concepção. Prefiro ser pós moderno em minhas concepções do que pré-medieval. Mas, concordando com Guattari: militar é agir. Não importa o significado que seja usado. Na vida, militamos pela nossa sobrevivência e pela nossa saúde. É um agir militante disruptivo! 

Quis colocar essas questões para fora porque podem ser questões que atravessam o cotidiano das vivências em São Paulo ou em qualquer lugar.

Qualquer projeto.

Muito mais por uma falta de diálogos abertos e sinceros do que qualquer coisa.

É uma provocação a mim mesmo, ao VER-SUS/São Paulo e ao VER-SUS de todo o Brasil. Ao movimento estudantil. A gestão. Ao ministério. A quem possa se sentir provocado.   

O que se pretende com o VER-SUS?

Pretende-se ampliar a discussão sobre as vivências no SUS e de que forma pode ser possível criar possibilidades com a participação cidadã.

Um tema imperioso para a efetivação do sistema de saúde ou qualquer conjunto de políticas sociais é a participação ativa da população. Mais do que qualquer planejamento em saúde, diagnóstico da situação de vida de um território. São as pessoas que sabem da sua real condição de saúde.

Cabe à saúde pública compor e ouvir trilhas de cuidado e de equidade para efetivar políticas, realmente, de saúde. E o VER-SUS pode servir pra isso. 

Tarefa difícil porque nem todo mundo está acostumado com a ideia de democracia, de participação. É um processo que envolve muita dor nas costas. E ninguém quer ter dor nas costas. 

Por isso, o VER-SUS como um dispositivo de integração ensino-serviço-território pode fabricar possibilidades de acender alguma chama participativa com as pessoas que utilizam o SUS para construir itinerários populares e democráticos para o sistema de saúde.

Acho que dá pra compor boas músicas com o VER-SUS!!!

E como diz, um dos meus grupos favoritos de rap:

Em meio ao caos nascerá a cidade mais zen
Adversidades vão e vem.

Cartel MCs. Adversidades.

Esse foi um pensamento disparador para o IV Webnário da RHS que será sobre participação cidadã no SUS e tudo o que ela pode mobilizar, uma delas, o tema aqui proposto. 

Referências

AKERMAN. M. Intersetorialidade? IntersetorialidadeS! Ciência & Saúde Coletiva, 19(11):4291-4300, 2014.

Cadernos de textos do VER-SUS/Brasil: Disponível em: https://www.otics.org/estacoes-de-observacao/versus/acervo/caderno-de-textos-do-ver-sus-brasil/caderno-de-textos-do-ver-sus-brasil-documento-eletronico. Acesso em 20/nov de 2015. 2013.