Universo Aquário

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Como notou John Gray, se for para existir, a verdade terá que ser inumana.

Falamos muito em realidade e ilusão. Quase sempre nossas certezas se fundam na constatação ou nas evidências dos erros alheios. Entendemos que a razão é como o pico de uma montanha. Um lugar de ar rarefeito onde poucos suportam viver. Geralmente nós mesmos e aqueles que nos seguem ou aos quais seguimos. O resto, a maioria, vive na base da montanha.

Há a versão inversa. A maioria estaria na verdade, habitando a base. Enquanto os sábios, viveriam na dúvida, nas alturas irreais de um mundo ilusório.

Não importa. O fato é que ninguém vive fora do real. Essa imanência nos envolve e não é possível termos uma perspectiva externa e global desse mundo. O desejo imemorial de transcendermos as dimensões em que nossa mente vive cativa é misterioso. Será que nossa imagem de nós mesmos constitui um indício de que nossa origem é transcendental?

Essa questão é o que move todo o empreendimento mítico filosófico e teológico. Uma intuição que impulsiona nossa imaginação.

Mas na prática, para além da razão, somos seres apaixonados. A violência é uma pulsão herdada da luta pela sobrevivência. Assim é que nos trucidamos por confortos, como o desperdício irracional de energia fóssil, como se ter um Smartphone fosse o mesmo que ter acesso a alimentação e água.

Travestimos facilmente esse impulso homicida. Ele se transforma na luta pela verdade transcendental que cremos estar representada por nossa convicção filosófica ou religiosa. Nos convencemos que nossa luta incessante contra outros seres humanos é uma luta da verdade contra a mentira, do bem contra o mal.

Mas é justamente o mistério e a incerteza, juntamente com a finitude dessa vida que caracterizam nossa humanidade e condição comum.

Estando todos presos no tecido quadridimensional do real, somos como peixinhos olhando através dos vidros de um universo aquário. Tudo que vemos é igualmente distorcido. E, não podemos jamais ver a verdade a partir de uma perspectiva externa.

A incerteza é nossa única certeza.

Então, Maomé, Jesus, Buda, ou o Deus dos nativos da Polinésia não podem ser usados como justificativa para nossa pulsão de destruição.

E o verdadeiro valor de qualquer religião, filosofia ou ciência é o de nos levar a respeitar o mistério fundamental da existência.