Humanização, uma caminhada contínua.

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Muito se escreve sobre o tema humanização, principalmente quando envolve este com a saúde pública no Brasil, é comum lermos textos com cobranças da população sobre órgãos governamentais e seus trabalhadores. Porém nem todos têm conhecimento histórico sobre o tema e assim não sabem o quanto avançamos neste contexto. Claro que ainda existem pontos a serem melhorados e devem ser melhorados, mas esta é uma caminhada que vem sendo percorrida a alguns anos e não é exclusiva do Brasil.
Façamos uma caminhada histórica, partindo do princípio que o Brasil foi um país descoberto somente em 1500, o que nos dá em torno de 515 anos desde o descobrimento, o que podemos dizer que é muito tempo, porém não tanto quando comparamos com outros países, como por exemplo, a Inglaterra que já tem em torno de 1090 desde a sua unificação. Mas voltando ao foco da saúde, seguimos um modelo europeu devido a nossa colonização. Neste modelo era comum excluir da sociedade tudo e todos que não se adequavam aos “padrões sociais” o que nos ajudou a criar um pensamento higienista, no qual escondemos a “sujeira” e mantemos somente o “limpo” a mostra. A partir deste pensamento surgiram os primeiros hospitais, porém estes não tinham a proposta de tratamento ou cura, mas sim de realmente “limpar” a vista social.
O caminho da saúde pública no Brasil teve seu início em 1808, com a vinda da família real portuguesa, porém somente no século XIX começamos a ter um pensamento mais humanizado em relação ao tratamento e recuperação dos doentes. O surgimento de uma ideia de se criar um sistema de saúde veio somente em 1986 através da 8ª Conferência Nacional de Saúde, mas somente em 1988 foi colocada em lei através da Constituição Federal, tornando o mais perto do que conhecemos como o Sistema Único de Saúde (SUS) atualmente, partindo de princípios básicos como universalidade, gratuidade e integralidade.
Vê-se necessário esta caminhada histórica para entendermos que um direito que possuímos atualmente teve uma caminhada grande e veio a se consolidar somente em 1999, com a lei 8080. Por isso ao entrarmos em um assunto como a humanização do atendimento em saúde, temos que ter a percepção que falamos de um direito cuja realidade veio à tona em menos de 20 anos e muitos que lerão este texto com certeza passaram por esta transformação.
A PNH (Política Nacional de Humanização) lançada em 2003 foi voltada a acabar com as muralhas construídas pela era manicomial e passou a reforçar a aceitação e entendimento dos direitos individuais como sendo um direito e não uma obrigação. Esta política veio pôr em prática o que já existia em lei e buscar uma maior comunicação entre os gestores, trabalhadores e usuários da saúde pública do Brasil.
De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), saúde é “o completo estado de bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de enfermidade”. A inclusão do termo “mental” nesta definição demonstra à importância no cuidado e tratamento as pessoas que passam por sofrimento mental. Ao citarmos estas pessoas, queremos expor a amplitude do assunto quando nos referimos a saúde, porque apesar do avanço e de várias discussões ainda se predomina um pensamento de tratamento e, que infelizmente para a maior parte da população só será lembrado quando passar por uma experiência de adoecimento.
A luta antimanicomial acompanha esta batalha pela saúde e busca combater esta ideia higienista que infelizmente ainda se carrega atualmente, pois busca a inclusão na sociedade de pessoas que passam por algum sofrimento mental. Fazendo-se necessária a compreensão de que todos somos iguais perante o social e o que nos diferencia realmente é apenas a nossa subjetividade. 
Retornando a nossa caminhada histórica, somente a partir de 1993 que os manicômios foram dando espaço para pontos distintos de referência a loucura (ainda era vista como), sendo esses: Centros de Referência em Saúde Mental (Cersam), Centros de Convivência, Equipes de Saúde Mental em Centros de Saúde, Serviços Residenciais Terapêuticos, Equipes de Saúde da Família, Samu, Serviço de Urgência Psiquiátrica Noturno, Incubadora de Empreendimentos Econômicos Solidários, Consultórios de Rua, Equipes Complementares de Atenção à Saúde Mental da Criança e do Adolescente, Arte da Saúde, etc.
Contudo, ainda assim a reforma psiquiátrica e antimanicomial não estava totalmente instaurada. Um ponto que entrava em confronto com essa nova realidade que aos poucos ia sendo construída era a tradição. Tradição essa que era manter os loucos, por “direito” deles próprios afastados e “protegidos” da sociedade. Coube a CERSAM (Centro de Referência em Saúde Mental) desmistificar essas ideias e aos poucos tornar mais aceitáveis pela sociedade essa nova maneira de tratamento dos assim ditos “loucos”.
Ainda com a ideia manicomial, é de grande importância se ter cuidado quando falamos sobre usuários de drogas, pois apesar da caminhada percorrida de inclusão, ainda se tem uma ideia de isolamento deste usuário, achando que este isolamento dará resultados positivos, mas somente está sendo criada uma nova forma de manicômio. Neste sentido devemos nos lembrar que ao viver em uma sociedade possuímos direitos e estes são iguais para todos e devem ser respeitados.
Esta caminhada é constante e a Rede HumanizaSUS, ou Política Nacional de Humanização vem trabalhando constantemente para que seja efetivada cada vez mais a política de saúde prevista na constituição Brasileira. O trabalho na prevenção e tratamento vem sendo constante e muitas vezes não é divulgado ou acaba perdendo o foco para outros assuntos mais atraentes a grande mídia. A criação de centros de tratamento descentralizados auxilia várias pessoas e garante o seus direito como cidadãos. Planos como o Saúde na Família ganham cada vez mais força e auxiliam na inclusão social de pessoas com necessidades. O foco com equipes multidisciplinares e interdisciplinares leva o tratamento e a prevenção a um novo patamar, o qual até poucos anos só poderíamos sonhar.
Por fim a união da população em prol da saúde já conseguiu várias conquistas e não deve parar por aí, pois somos um grande país e somos muitos, porém ao criticarmos alguma ação ou serviço, devemos ter conhecimento do que está sendo discutido, assim como do que já existe, pois em várias vezes este conhecimento não chega através de grandes mídias e acaba por ser ignorado.

Texto escrito por Alexandre Bueno e Lucas Thummler, com base no artigo “Humanização e Reforma Psiquiátrica: A Radicalidade Ética em Defesa da Vida.” (TRAJANO; SILVA, 2012)

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