Velocidade, aplicativos, cerveja e planos de saúde

13 votos

Excelente e atualíssimo texto de Marcelo Godoy!

Sou 100% a favor da redução da velocidade nas marginais.
A decisão acertada do Prefeito Haddad em reduzir a velocidade das marginais e em toda a cidade de São Paulo, já diminuiu em 36% os acidentes de trânsito.
Mas ainda há muito por fazer além de arrumar as ruas esburacadas e mal sinalizadas.
Ao baixar a velocidade na cidade e ai entra uma nova forma de gerenciar uma cidade, a medida procura diminuir em certa medida, de um lado os estragos do poder destruidor de um dos mais poderosos lobby atuantes no Congresso Nacional e de outro lado, minimizar um novo e perigoso comportamento humano, fruto dos tempos acelerados que vivemos.

Se você estiver lendo este texto no seu celular no carro, você não está sozinho, olhe em volta e repare a quantidade de motoristas que estão mexendo com seus smartphones enquanto esperam o sinal abrir. Repare em quantos continuam olhando enquanto aceleram.
O crescimento da internet móvel é avassalador. Só neste primeiro trimestre de 2015, mais de 68 milhões de brasileiros acessaram a internet via smartphone. Cinco apps consumiram 80% do acesso a Internet móvel brasileira : o Whatsup consumiu (13%), o Facebook  (28%) , Chrome (16%) YouTube (15%) e Instagram (6%). Ainda tem o Waze, os e-mails de trabalho, os portais de noticias, os apps de música, as notícias sobre a Dilma e muito, muito mais. Pesquisa da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego relata que 80% dos motoristas admitem que utilizam o celular ou outras tecnologias que geram distração enquanto dirigem. E os números do acesso mobile não vão parar de crescer nunca, acredite, é uma tendência irreversível.

Mortes e acidentes por distração no celular já são consideradas uma nova epidemia em vários países, especialmente nos Estados Unidos e Europa. Estudos da instituição inglesa RAC Foundation apontam que um simples envio de mensagens retarda o tempo de reação do motorista em 35 segundos, pesquisa da NHTSA – Departamento de Trânsito dos Estados Unidos -, afirma que o risco de acidente ao usar o celular aumenta 400% e o Centro de Tecnologia Allianz da Alemanha, estima que um terço dos acidentes de trânsito no mundo acontecem pela utilização de celulares.

No Brasil ainda não se realizou um estudo sobre o custo das vítimas destes acidentes no SUS – Sistema de Saúde Brasileiro e raramente se consegue identificar se o motorista estava usando o celular no momento do acidente. No Reino Unido, a Associação dos Delegados de Polícia do país orientou seus agentes a confiscarem os celulares de todos os envolvidos em acidentes de trânsito. Se for provado o uso do celular no momento da colisão, o motorista pode ser punido com até 14 anos de prisão, dependendo da gravidade do acidente.
Não vai ser nada fácil mudar o hábito dos motoristas de consultar o celular a cada notificação, especialmente entre os jovens e adultos em idade produtiva. Neste sentido, muita educação, muita fiscalização e multas são as únicas formas de tentarmos nos proteger.

Mas a maior e mais antiga ameaça de dirigir no Brasil ainda são os acidentes causados por motoristas embriagados, uma epidemia antiga, identificada e que não para de crescer. Todo ano mais de 4 bilhões de reais são gastos em publicidade na TV para aumentar o consumo de cerveja.
O Ministério da Saúde, OMS (Organização Mundial de Saúde) e diversas organizações não governamentais são radicalmente contra a publicidade de cerveja na TV, já que com estes números de investimento publicitário é praticamente impossível diminuir o consumo e as taxas cada vez mais crescentes de mortes e acidentes causados por motoristas embriagados, algo em torno de 100.000 mortos e em torno de 500 mil vítimas de traumatismo por ano. Pense no prejuízo de tantas perdas para  as famílias, para as empresas e para o país, e que ser atingido por um motorista embriagado pode acontecer com qualquer um de nós.

Os milhares de feridos, sobreviventes de acidentes de trânsito são encaminhados em sua grande maioria para o SUS, comprometendo drasticamente sua estrutura. Pense que além de todo este sofrimento desnecessário, é você, somos nós que com os nossos impostos pagamos a conta da irresponsabilidade. Em 2013, o SUS registrou 170.805 internações por acidentes de trânsito e R$ 231 milhões foram gastos no atendimento às vitimas, e esse valor não inclui custos com reabilitação, medicação e o impacto em outras áreas da saúde, muito menos o custo da perda de vidas para a economia. Por ano, com base em estatísticas oficiais e pesquisas científicas, estima-se que o país perca 7,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em decorrência de problemas relacionados ao álcool. Considerando o PIB de R$ 5,1 trilhões, o custo do uso abusivo de bebida alcoólica atingiu, em 2014, algo como R$ 372 bilhões.

As empresas cervejeiras, as emissoras de TV, agências de publicidade e todos que trabalham para estimular o consumo de cerveja não precisam do SUS. Nas últimas eleições, muitos milhões foram “investidos” no financiamento de campanha dos deputados e senadores da “bancada da bebida” com o objetivo claro de não alterarem a Lei Federal em vigor, Nº. 9.294/1996 que regula as restrições a publicidade de bebidas e que deixou de fora a cerveja das restrições da publicidade de TV, como aconteceu com as bebidas destiladas (whisky, vodca, etc.)

No exemplo do uso de celulares a operadora VIVO, líder no mercado mobile no Brasil, deu um passo a frente e lançou a campanha #UsarBemPegaBem que aborda os perigos de usar o celular ao volante. As empresas de cerveja, ao contrário, mantem um forte lobby para impedir qualquer avanço. Estão defendendo seus lucros, mas a um preço muito caro para a sociedade.    

Outro beneficiário direto desta tragédia urbana são os planos de saúde privada.
Se o SUS esta sobrecarregado com no mínimo 500.000 feridos graves de acidentes de carro por ano e não da conta, o que fazer?
Quem pode, parte para um plano de saúde privado, engordando o lucro dos planos de saúde. Se não pode, fica no SUS.
"A consequência do atual estado de coisas é que as empresas de bebidas e os planos de saúde ampliam seus lucros enquanto os cidadãos e o SUS ficam com o ônus dos problemas de saúde e pagam a conta."

Na última campanha, os planos de saúde doaram R$ 54,9 milhões para candidatos de vários partidos . O jornalista Elio Gaspari na sua coluna do  dia 16 de agosto resume com clareza os interesses em jogo: os planos de saúde  não querem ressarcir o SUS quando um de seus fregueses é atendido (ou desovado) para a rede pública. Pelo que está em vigor, se um cidadão tem um acidente automobilístico, sofre um traumatismo craniano, é levado para um pronto-socorro público e passa pela cirurgia que lhe salva a vida, o plano de saúde nada devolve ao SUS. Já o hospital cinco estrelas para onde ele é removido dias depois cobra do plano até o copo d´água. A Viúva fica com 80% dos custos hospitalares e não recebe um ceitil”.

Muitos reclamam das ciclovias, das faixas de ônibus, da indústria de multa e da velocidade das marginais, e depois de tomar uma cervejinha “sagrada” com os amigos, usam o Twitter para fugir das poucas blitz da Lei Seca.
Ter um plano de saúde, um carro com airbags, não é mais sinal de proteção
Precisamos apoiar as medidas que procuram humanizar as cidades, lutar pelo fim da publicidade de cerveja na TV, proteger o SUS, não usarmos o celular ao volante e principalmente prestarmos muita atenção enquanto dirigimos.
Os dois maiores causadores de acidentes e mortes de trânsito precisam ser enfrentados de frente por toda a sociedade civil e pelo governo, sem isso, nunca haverá segurança no trânsito brasileiro.

Marcelo Godoy
Produtor, roteirista e apresentador do programa Clique Ligue
@marcelogodoy

 

A ideias centrais deste artigo foram publicadas em dois artigos separados no DCM:

1) https://www.diariodocentrodomundo.com.br/como-o-governo-pode-economizar-bilhoes-restringindo-a-propaganda-de-bebida-na-tv/

2) https://www.diariodocentrodomundo.com.br/como-o-celular-esta-se-tornando-uma-ameaca-mortal-para-o-transito/