ENTREVISTA COM LUZIA PRATA: CONHECENDO A POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO – PNH

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ENTREVISTA COM LUZIA PRATA: CONHECENDO A POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO – PNH

 

Autoras:

Kalina Karla C. de Morais

Cristina Generino dos Santos Lima

Orientador:

Prof. Dr. Jefferson Bernardes

Universidade Federal de Alagoas

Luzia Prata é coordenadora estadual da Política Nacional de Humanização de Alagoas desde o ano de 2011. Desempenhou várias funções desde Gestora Municipal de Saúde, passando pelas Coordenações da Atenção Básica, do Núcleo de Atenção à Saúde da Família, da Vigilância em Saúde e de Planejamento, incluindo a Atenção Especializada no Centro de Atenção Psicossocial e Unidades Hospitalares. Hoje, desenvolve um trabalho sobre Implantação de Grupo de Trabalho em Humanização, na Coordenadoria Setorial de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas da Secretaria de Estado da Saúde de Alagoas – SESAU, reflexo de sua forte atuação para a propagação da PNH – Política Nacional de Humanização.

Qual o significado de humanização e da Política de Humanização do SUS?

A PNH foi instituída pelo Ministério da Saúde no ano de 2003 e tem a finalidade de qualificar o serviço do SUS- Sistema Único de Saúde. Afirmamos que o que desejamos não é humanizar o humano, mas sim humanizar as relações de trabalho para que possamos melhorar o modo de gerir a saúde, o modo de produzir saúde e principalmente evitar o adoecimento do trabalhador.

Como se dá a qualificação do serviço do SUS, através desta Política?

A PNH provoca um movimento inverso da aparente analgesia que acaba por afetar profissionais, devido à dificuldade em lidar com uma realidade desafiadora, que os faz produzir mecanismos de ajustamentos que podem torná-los inertes ao sofrimento do outro. Portanto, essa Política, não privilegia apenas os usuários dos serviços de saúde, mas também seus profissionais, numa perspectiva de inseparabilidade entre atenção e gestão. Desta maneira, as formas como as pessoas constroem relações também podem ser produtoras de sofrimento, por isso a proposta da PNH, num movimento de tornar inseparável atenção e gestão em saúde, é também promover a importância da dinâmica do trabalho, uma vez que trabalhadores também precisam ser acolhidos, no sentido de ‘cuidar de quem cuida’, num modelo de cogestão, no qual todos – usuários, trabalhadores e gestores – são partícipes dessa prática.

Quais seriam as ações de sensibilização voltadas para o trabalhador da saúde em prol da PNH?

Trabalhamos muito com o método da roda de conversa, expresso pela PNH como a metodologia da Tríplice Inclusão, sendo um dos princípios da PNH a indissociabilidade entre atenção e gestão. Não é possível conceber uma forma de gerir a saúde, de ofertar serviço se não aproximarmos gerência, trabalhador e usuário.

Como você vê as profissões em saúde em relação à Política de Humanização?

Há uma adesão muito boa da equipe multiprofissional de saúde: assistente social, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, e todos os outros profissionais. O que ainda temos resistência é da classe médica, porque eles têm resistência em participar de reuniões, escutar; eles não têm tempo; eles não priorizam; eles acham (não generalizando, é claro), que a roda de conversa não terá resultados, que não provocará mudanças na saúde. A adesão é pequena.

Como os profissionais da saúde são capacitados para a PNH?

Desde 2010, o Ministério da Saúde em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde e com a Universidade de Ciências da Saúde de Alagoas – UNCISAL, têm trabalhado na elaboração de um projeto referente a dois cursos de capacitação na PNH, um de formadores e outro de apoiadores, além de um conjunto de oficinas com esse mesmo propósito, que totalizaram 80 horas. Este projeto foi apresentado à CIES (Comissão de Integração Ensino Serviço), e conseguimos os recursos para colocá-lo em prática. A partir desses cursos, foi possível capacitar 109 pessoas no Estado, sendo 47 formadores e 62 apoiadores da Política Nacional de Humanização, que estão relativamente capilarizados nos municípios, sendo a maior concentração, de fato, em Maceió.

Quais os ganhos que a PNH proporciona aos usuários dos serviços de saúde?

Baseado na PNH, pensar o singular não é pensar o individual, uma vez que o singular considera que além do sujeito existe uma história que o constituiu enquanto tal, e na constituição dessa história, usuários e profissionais de saúde são participantes. Valorizar o singular constrói modos de ser e fazer condutores de promoção de vida, a partir do entendimento sobre a importância de vínculos e corresponsabilidade. Deste modo, é preciso compreender, no tocante aos usuários dos serviços, que os processos de escuta e acolhimento subvertem um modelo hegemônico de práticas em saúde, centrado no saber dos profissionais, e aproxima-se da valorização de uma construção coletiva, do ‘caminhar junto’, do respeito à singularidade, que não se traduz por individualismo.

Quem fiscaliza se a política realmente está sendo colocada em prática nos espaços de saúde?

Não há um fiscal. Como os serviços são ligados a suas instituições, por exemplo, o Hospital Portugal Ramalho e a Maternidade Santa Mônica estão sob a gerência da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas – UNCISAL. Lá, temos vários servidores que estão à frente desses serviços e que são apoiadores da PNH, logo se esses apresentarem algum problema referente à Política, os representantes tentam a solução colegiada e levam, também, como ponto de pauta na Câmara Técnica de Humanização a fim de obter apoio do coletivo; esta sim, como dispositivo de cogestão, tem a função de cobrar e de analisar se as ações disparadas no serviço estão sendo norteadas, de fato, pela PNH. A mesma coisa em Maceió e na Secretaria de Saúde.

O usuário poderia ser considerado um fiscalizador?

Pode. O usuário compõe a tríade gestor, servidor e usuário, é um dos atores principais e desejamos que participe ativamente das discussões dos serviços ofertados à população, contudo, ainda não conseguimos muitos avanços com relação a isso, pois ainda não tivemos a participação de usuários em nenhuma das rodas de conversa promovidas para discussão da PNH, para dizerem o que pensam sobre os serviços oferecidos. Continuamos traçando Políticas de saúde sem ouvi-los. Nós sempre convidamos os usuários para participarem, mas eles ainda não chegaram, não efetivamente. A verdade é que ainda estamos muito fragmentados nesse sentido do Controle Social, da participação ativa da população. Nós queremos muito que aconteça, mas efetivamente ainda não temos um segmento usuário dentro das nossas rodas. Isso e fato!

Como você descreve a situação de Alagoas com relação à politica?

A política é muito nova, ela só tem 11 anos. Em Alagoas começou a ser inserida a partir de duas grandes oficinas que ocorreram uma no ano de 2004 e outra em 2005, porém a Câmara Técnica de Humanização da Saúde só teve início em novembro de 2009 e até então ela perdura. Nessa Câmara, são discutidas as ações do Estado. Ela é composta por vários serviços de saúde estaduais, como, por exemplo, o Hospital Geral do Estado – HGE, o Hospital Nossa Senhora da Guia, a Maternidade Santa Mônica, dentre outros. Onde há serviço de saúde as pessoas são convidadas a participarem e serem membros da Câmara Técnica. Assim, é através das reuniões que, então, passamos a conhecer a realidade e as demandas de cada serviço, pois discutimos como ele está e, também, capacitamos os profissionais na política para que possam exercitá-la em suas práxis. Contudo, essa Câmara ainda apresenta oscilações, pois, em alguns momentos tem se mostrado fortalecida, enquanto que em outros tem se esvaziado, devido à desmotivação dos profissionais que estão nos serviços de saúde e isso também acontece com a gestão desses serviços.

Quais os desafios que você percebe na implementação dessa política?

Muitos. No entanto, nós percebemos que quando adentrarmos no serviço de saúde, por exemplo, e o gestor não está de acordo com as propostas da PNH, a mudança não acontece. Algumas vezes, os gestores têm receio em participar porque não têm governabilidade sobre as questões trazidas à tona, no momento da roda de conversa. Fazer, ser PNH é difícil, não é fácil. Inclusive, nós precisamos saber recuar para poder avançar, em alguns momentos. Principalmente, porque encontramos nos serviços, não raro, profissionais endurecidos e inflexíveis, que não aderem a qualquer outra ideia que seja diferente da sua. É necessário compreender de que forma a PNH pode ser implantada e como seus efeitos podem ser visualizados, sendo o SUS – Sistema Único de Saúde, uma forma de efetivação dos princípios dessa Política. De igual modo, é imprescindível pensar como e em que sentido a PNH convoca a necessidade de um olhar sobre o humano configurado em suas experiências diárias, na relação trabalhador-usuário, e é justamente nesse encontro que a humanização se constrói, por sujeitos em constante processo, juntos para instituir e destituir formas de trabalho. O Sistema Único de Saúde, ele é lindo e perfeito, mas ainda temos muitas relações a humanizar. A PNH encheu a minha vida de sentido enquanto profissional de saúde, pois me fez saber que é possível termos um serviço público de saúde que dá certo.

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