Relato de um primeiro contato com o SUS

22 votos

sem_titulo.jpg

 Fotógrafo  Radilson Gomes

 

Quando o professor da disciplina de Estágio Básico em Saúde sugeriu que conhecêssemos a Unidade de Saúde do nosso bairro, fiquei apreensiva com essa visita, pois sempre tive plano de saúde e nunca havia tido contato com o SUS. Não sabia por onde começar!

A Unidade de Saúde do meu bairro fica bem próxima à minha casa, algo em torno de cinco minutos de bicicleta. Eu já sabia onde ela ficava, mas olhei a lista de Unidades disponível no site de Prefeitura para confirmar; talvez existisse alguma mais perto. Vi que ela era mesmo a única nas redondezas, e me coloquei a caminho.

Chegando lá, percebi que não sabia o que fazer. Não sabia quanto tempo ia durar a minha visita, como a unidade funcionava, nem para onde me dirigir. Nem sabia se podia entrar como estava, de chinelo, dedos de fora. Peguei uma senha e me sentei nos bancos de metal, um tanto nervosa, sem saber o que iria dizer quando chegasse a minha vez. Decidi começar por: “gostaria de fazer um cartão do SUS”. Uma senhora ao meu lado me olhava com curiosidade. Será que eu parecia tão deslocada?

Enquanto esperava, tentei colecionar algumas pistas de como aquele serviço funcionava, inspecionando alguns dos cartazes espalhados pela sala: “faça o teste rápido de HIV e sífilis”, “consultas agendadas não precisam retirar senha”. Alguns poucos minutos depois, minha senha piscou na tela de televisão. Fui até a recepção e disse, como havia pensado: gostaria de fazer meu cartão SUS. Me informaram que para isso havia um horário específico, à tarde. Então, perguntei o que poderia fazer sem o cartão, e a atendente me disse que poderia fazer tudo, desde que tivesse cadastro naquela unidade. Para fazer o cadastro, ela anotaria os meus dados e enviaria um agente de saúde até a minha casa.

Logo que dou o meu nome, descobrimos que, na verdade, eu já tinha cadastro. A atendente me dá um papel cartão, no qual escreve o meu nome e o qual me diz para não perder, e pergunta então o que eu gostaria de fazer. Marco uma consulta com o clínico geral. Entendo que tudo ali funciona assim: marcamos com o clínico que nos encaminha para as especialidades.

Enquanto tudo isso acontecia, uma conversa ao lado me chamava atenção. Uma senhora, mãos cheias de folhas e documentos, falando em espanhol. A atendente parecia não conseguir entender o que a senhora precisava. Outra trabalhadora da unidade apareceu e tentou explicar para a senhora que o que ela buscava não podia ser feito ali, ela precisaria voltar e pedir para sua outra médica, cujo nome constava nos papeis. Me distraio por alguns segundos pensando se deveria tentar ajudar. Quando olho novamente, a senhora está sentada explicando sua situação para outras pessoas, e em seu lugar na recepção está um jovem, talvez seu filho, também falando em espanhol. As funcionárias da recepção conseguem entendê-lo melhor, e marcam a consulta que a senhora precisava.

Pego meu cartão e saio da unidade me perguntando o que acontece com essas pessoas. Os dois, mãe e filho, talvez morem aqui, talvez não sejam turistas de passagem. Mas e se fossem? Como o SUS, como a unidade do meu bairro lida com línguas e vivências diferentes? Como essas pessoas podem ser atendidas, se o cadastro requer uma visita domiciliar de um agente de saúde, conforme me informaram? E a população de rua?

Saio pensando nessas questões, me dando conta do tanto que ainda não sei e não conheço do serviço. Percebo todos os anos que passei sem ter contato com algo que é compartilhado por tantas pessoas à minha volta e que é direito de todos.

Antes de conseguir chegar à minha bicicleta, sou parada por uma senhora que me pede para colocar um band-aid no seu braço. Ela havia acabado de tirar sangue e precisava de ajuda com o curativo. Conversamos por alguns segundos e nos despedimos com sorrisos.

E então, de imediato, tenho a sensação de que isso nunca aconteceria em um hospital particular, por algum motivo. Percebo que a minha visita breve à unidade foi impregnada de encontros: com mãe e filho, com a senhora que me olha, com a senhora que ajudo, com o esforço daquele serviço por acolher uma demanda inusitada, imprevista. Na dificuldade, chamava-se o médico, a enfermeira, a colega de recepção, o usuário…  Foi esta a impressão que tive: uma saúde feita em casa, não sem arestas ou problemas, mas apostando na coletividade. Todo mundo junto tentando fazer funcionar, dentro e para além das paredes daquela unidade.

Victoria Pianca