TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO. CONSENTIMENTO E AUTONOMIA

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Uma das questões mais complexas e fascinantes da Psiquiatria diz respeito ao tratamento psiquiátrico involuntário, assim entendido aquele que ocorre sem o consentimento do paciente, considerando que, de modo geral, há concordância de que os tratamentos médicos devem ser instituídos de comum acordo com os pacientes, o que realmente acontece com as pessoas com transtorno mental que fundamentaria a inversão desta regra básica da Medicina.
O que há de particular, específico, diferente no hoje chamado transtorno mental, que pode tornar necessário o tratamento, mesmo em oposição à vontade do paciente. A resposta é parte da caminhada para uma melhor compreensão do tratamento psiquiátrico involuntário ou autônomo. É possível que a tendência a considerar natural o tratamento dos doentes mentais no âmbito grupal à revelia de sua vontade ou opiniões. Sua periculosidade e incurabilidade não deixam de ser curioso o fato de que no imaginário popular a figura do louco esteja frequentemente associada com a ideia de uma pessoa perigosa, imprevisível, capaz de praticar atos violentos, desatinos; enfim, alguém que a prudência aconselha evitar sempre que possível, conter, de preferência através da reclusão a hospitais, asilos ou casa de saúde mental.
Fatalidade prognóstica não corresponde à verdade nem mesmo quando a Psiquiatria dispunha de bem menos conhecimento acerca dos transtornos mentais e de recursos terapêuticos de menor eficácia que atualmente. Dá-nos o ensejo, porém, de fazer algumas considerações sobre certos fatores que podem contribuir para a recuperação dos doentes mentais.

Trabalho desenvolvido por Pinel, considerado o fundador da Psiquiatria moderna e o pai da primeira revolução psiquiátrica, aponta as tendências humanistas do chamado tratamento moral _ cuja ênfase era voltada para a amabilidade, a firmeza, a atenção às necessidades físicas e psicológicas, a relação humanitária entre os pacientes e as pessoas que cuidavam dele, o otimismo quanto às suas possibilidades de recuperação, a percepção de que, quando se tornava indispensável o uso da coação, esta poderia ser eficazmente utilizada sem violentar a dignidade das pessoas envolvidas. Pinel e seus seguidores perceberam que a aplicação desses princípios poderia frequentemente ser a base da recuperação. Ao mesmo tempo em que seu descumprimento poderia exacerbar sintomas e colaborar para a cronificação do quadro clínico.
É sabido que a Psiquiatria da época dispunha de recursos farmacológicos mínimos. Entretanto, apesar de não contar com as modernas medicações antidepressivas e ansiolíticas que hoje estão disponíveis, os defensores do tratamento moral conseguiram resultados terapêuticos formidáveis, como indicam dados citados pelo autor anteriormente referido. Uma base orgânica dada para os transtornos mentais e simultânea diminuição da ênfase nos contatos pessoais e humanos, como fator relevante para a recuperação dos pacientes. Na atualidade a autonomia que através dos ensinamentos e intervenção em grupos que podem ser tirados tal experiência os pacientes vão aprendendo modos de viver e pensar que, com o tempo vão se automatizando de acordo com as capacidades adaptativas de cada um. Pelos condicionamentos impostos a todos, terminam por compor um conjunto mais ou menos uniforme de autômatos disciplinados e nunca de sujeitos sociais com vontade e liberdade próprias; se isto dá uma aparência de tranquilidade e ordem. À vida hospitalar, imprime modos da convivência social, acrescenta que o isolamento e o confinamento proporcionados pelas casas de saúde mental quando interno, desenvolvem um afrouxamento no comportamento social, tornando os pacientes despreocupados em certos costumes simples, como vestir-se, falar e mesmo comunicar-se com o outro. Estas manifestações configuram, sem dúvida, passos largos no sentido da perda da autonomia e da condição de cidadãos.
A sintonia do afeto é um processo ininterrupto e não aguarda a aparição de afetos distintos. Sintonizamos com outros a todo o momento, mesmo sem percebermos. A importância dos afetos de vitalidade está justamente no fato de comparecerem virtualmente em todos os comportamentos. Os afetos de vitalidade, para Stern, “dizem respeito a como um comportamento, qualquer comportamento, todo comportamento é realizado, não qual comportamento é realizado” (STERN, 1992, p. 139).
Referencias Bibliográficas: BARROS, R. B.; PASSOS, E. A humanização como dimensão pública das políticas de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, p. 561-571, 2005.