Narrativas Antimanicomiais – ABRASME/SP

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A ABRASME – São Paulo tem alimentado aos militantes da Reforma Psiquiátrica com o espaço para Narrativas Antimanicomiais, que são publicadas no site: https://abrasmesp.wordpress.com/2014/08/24/narrativas-antimanicomiais-a-loucura-nao-autoriza-a-ninguem-tirar-a-liberdade-de-seu-semelhante/

O Geraldo é uma pessoa que milita, muito conhecido por sua história de familiar, que nos mobiliza. Aqui, suas palavras:

 

A LOUCURA NÃO AUTORIZA A NINGUÉM, TIRAR A LIBERDADE DE SEU SEMELHANTE

Nós, Geraldo e Dulce, na qualidade de familiares/pais de filhos acometidos de transtornos mentais graves, lamentamos o tipo de posicionamento de uma ala da psiquiatria ortodoxa brasileira, que defende, com unhas-e-dentes, a existência do hospital psiquiátrico, como lugar de tratamento. Sentímo-nos no  direito de externar nossa opinião, já que, convivemos, cada um de nós com nossos filhos, desde seu  adoecimento, há mais de 30 anos, durante as 24 horas do dia, nos 7 dias da semana e nos 30 dias do mês, não tendo portanto,  dúvida alguma sobre o que estamos falamos. Temos como princípio uma posição desapaixonada, de honestidade e clareza sobre essas questões e  sabemos que o hospital psiquiátrico, absolutamente, não trata! Quando muito, ele vigia e, com certeza, contém e segrega. Nossos filhos já estiveram, ambos, internados, tanto em melhores, quanto em piores hospitais psiquiátricos e, podemos afirmar que, tanto em uns, quanto em outros, esse mesmo “tratamento” se repete. Nossa experiência não é acadêmica, mas, não é preciso ser psiquiatra, para que se tenha uma postura crítica e uma avaliação ao hospital psiquiátrico, já que temos com quem esteve lá atrás de seus muros, não uma relação acadêmico/técnico/científica, porém, uma relação visceral e profunda. Não nos move nenhuma crítica aos seus trabalhadores, somente à instituição, como um todo.

Lamentamos profundamente que, assunto de tal seriedade, seja tratado com tanta ironia, desclassificando-se a psiquiatria italiana de Basaglia e o Deputado Paulo Delgado, como irresponsáveis, isto, sem se falar dos chavões, do tipo “os loucos vão ficar abandonados pelas ruas”, etc. Queremos reafirmar aqui que, nossos filhos foram acolhidos e tratados no 1º. CAPS brasileiro, CAPS Dr. Luís da Rocha Cerqueira ou, CAPS Itapeva, como é conhecido, cujo tratamento  humanizado é feito em espaços abertos para a rua, sem amarras, trincos, trancas, muros altos ou cadeados. Queremos dizer, enfim, que, há muitos anos, meu filho vem sendo tratado no CAPS Mater, de São Vicente, assim como o foi o filho do Geraldo, até a data de seu falecimento e, com excelentes resultados.

Apesar de se poder criticar algumas particularidades da reforma psiquiátrica atual, não podemos deixar de reconhecer o avanço significativo alcançado pela mesma, em tão curto espaço de tempo, em relação às internações psiquiátricas, estas, seculares. Sem dúvida alguma, hoje, existe uma política de saúde mental no Brasil, a qual, compreende uma rede de atenção psicossocial, de acordo com o porte do município, bem como, ações de saúde mental na atenção básica. Já foram implantados por volta de 1.900 CAPS’s, ainda insuficientes para atender a toda a demanda, porém, há a perspectiva de  continuidade dessa política pela Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde, além das demais ações, contidas na lei da reforma, como: Residencias Terapêuticas; Programa De Volta para Casa; Programa Consultório de Rua, para atendimento a usuários de álcool e outras drogas; Reestruturação das Diretrizes da Assistência Hospitalar Psiquiátrica; objetivando a redução contínua e programada de leitos e, o mais importante, o Programa Permanente de Formação de Recursos Humanos, tornando indispensável a formação de pessoas altamente qualificadas, para exercer atividades, especificamente na área da saúde mental, promovendo a transição do modelo hospitalocêntrico, para outro, baseado na assistência territorial ou comunitária, assistencial, depois da  criação do Sistema Único de Saúde-SUS, como o exemplo mais claro desta reestruturação.

Lamentamos que, alguns psiquiatras da ABP (alguns, não todos), “desanquem a lenha” em quem luta e defende a Reforma Psiquiátrica Brasileira que, apesar dos percalços, vem conquistando espaço, com tão grandes dificuldades.

A loucura não autoriza a ninguém, tirar a liberdade de seu semelhante.

 

Geraldo e Dulce

Usuários/familiares/militantes e parceiros