Obama e o SUS

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Chico D"Angelo*
 

Em seu primeiro discurso ao Congresso americano, o presidente Barack Obama explicitou os principais pontos da futura gestão, com destaque para os investimentos na estruturação da área de saúde. No dia 15 de julho, o presidente obteve seu primeiro avanço: a Comissão de Saúde e Educação do Senado
aprovou um projeto de reforma que cria uma empresa de seguro- saúde estatal, com o objetivo principal de gerar maior competição no setor e forçar as empresas privadas a reduzirem seus preços. Apesar do caráter inovador da proposta, para a aprovação final, o principal ponto polêmico deverá ser o estabelecimento de um imposto de1%sobre a renda dos muito ricos, de forma a financiar a universalização do sistema de saúde americano nos próximos anos.
 

O empenho do governo em aprovar o Obamacare, como vem sendo ironicamente denominado pela oposição, é fácil de compreender. Atualmente, existem cerca de 46 milhões de cidadãos americanos sem qualquer tipo de acesso a serviços de saúde e outros 250 milhões cobertos por um mecanismo de seguro caro, ineficiente e injusto. Entre outras características, funciona às custas da seleção de risco dos segurados, de limitação de cobertura, de restrição de pagamento aos prestadores e da divisão de custos com os pacientes.
 

Trata-se de um sistema fragmentado, com imensa dificuldade de ordenação de procedimentos e, entre as diversas consequências negativas, destaca-se a vulnerabilidade às estratégias mercantilistas e a falta de vocação para iniciativas de prevenção de doenças e de promoção da saúde.
 

Todo esse quadro se reveste ainda de maior relevância por se tratar de um país que investe 16% de toda a sua riqueza nessa área e que, em sete anos, se nada for feito, alcançará os 20%.
 

 

Sem qualquer dúvida, em todo o mundo a escalada dos custos na área da saúde é um dos grandes desafios para a gestão pública. Tal fato tem muito a ver com o envelhecimento da população, o progresso técnico-científico e o cuidado insuficiente ou inadequado com aspectos como dieta saudável, controle do tabagismo e prática regular de exercícios físicos.
 

No entanto, não há como deixar sem menção a intensa atividade de marketing e cooptação de pessoas físicas e jurídicas para a incorporação acrítica de procedimentos médicos desprovidos de
qualquer sustentação científica.
 

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São evidentes as contradições da situação brasileira frente a países que se organizaram

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Longe da banalidade dos discursos panfletários e ideológicos, uma farta literatura internacional atesta, por exemplo, que a iniciativa mais adequada ao enfrentamento dessa questão é a organização de um sistema universal, com gestão governamental, embasado em uma extensa e qualificada rede de atenção aos problemas de saúde mais frequentes da população. A organização de um tal contexto não é garantia preliminar de êxito instantâneo, mas a existência deum tal sistema – isto é, um grande mercado consumidor regido pela lógica do interesse público – oferece, por exemplo, as condições necessárias para a implantação de políticas de saúde racionais, custoefetivas, amparadas em estudos de avaliação tecnológica.
 

Essa discussão conduz ao exame do nosso Sistema Único de Saúde e à constatação de que o Brasil dispõe de um modelo de atenção à saúde conceitualmente correto, necessitando de ajustes operacionais, de um modelo de gestão moderno e, sobretudo, de uma política de financiamento compatível com suas pretensões e com as dimensões da atividade econômica em curso no país.
 

Previamente à definição dos mecanismos a serem acionados, é hora de a sociedade brasileira, suas lideranças e seus representantes definirem que percentual da riqueza aqui produzida deve ser destinado ao pagamento de ações e serviços do SUS.

Na elaboração da Constituição de 1988, fizemos a opção correta quanto à estruturação de um sistema com acesso universal, mas são evidentes as contradições da situação brasileira frente a países que se organizaram da mesma maneira. Por exemplo: o Brasil é o único desse grupo em que o gasto público é inferior ao privado (cerca de 3, 5% e 4% do PIB, respectivamente) e no qual um percentual significativo da população não usa o sistema
ou só o faz seletivamente. Segundo dados daOMS, o Brasil gasta cerca de três vezes menos do que a média mundial, ocupando a 35ª posição deste ranking. Assim, se é indispensável exigir um aperfeiçoamento na eficiência e no controle dos gastos, este aspecto não pode encobrir ou minimizar a gravidade do subfinanciamento e a justificada
insatisfação dos gestores e prestadores deserviço do SUSquanto à insuficiência dos recursos.
 

A decisão do presidente Barack Obama de se dedicar a um tema que, há longa data, aflige a sociedade americana e ocupa a pauta de sucessivos planejadores sem nenhum resultado prático, talvez
tenha o mérito adicional de lançar um novo alerta sobre o problema. Os parlamentares brasileiros estão trabalhando na regulamentação da Emenda Constitucional 29, que permite a clara definição dos gastos em saúde, para demonstrar o elevado senso de responsabilidade com o SUS, um grande patrimônio coletivo que, duramente, temos construído e cuja sustentabilidade e aperfeiçoamento precisamos garantir.

 

 

*Deputado Federal (PT-RJ)
 

 

(Publicado pelo Jornal do Brasil em 02/09/2009)