As Prostitutas não Podem ser Felizes

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Comecemos por uma definição conceitual. Prostituição consiste na troca de favores sexuais por dinheiro. Essa prática atravessa a história da humanidade a ponto de existir a velha máxima de que a prostituição “é a mais antiga profissão do mundo”.

A reação social frente a prática da prostituição varia enormemente de uma cultura para outra havendo inclusive registros que associam a prostituição a ritos religiosos que a sacralizavam.

Na nossa cultura cristã, herdeira da tradição judaica que execra a prostituição, a maioria das pessoas não vê com bons olhos a prostituta embora, mesmo no campo religioso, sua imagem atravessa os relatos mostrando muitas vezes que ela pode se tornar uma referência moral como acontece com a história de Raabe no livro de Josué ou a visão popular de que a Maria Madalena do novo testamento seria uma prostituta.

Parece que a prostituição sempre foi assimilada como um mal necessário frente às dificuldades da instauração de uma moralidade rígida frente ao controle dos impulsos sexuais, principalmente em sociedades patriarcais. A prostituta assim aparece como uma mulher “desonrada” que a partir de sua acessibilidade sexual protege a virtude das donzelas aptas para o casamento e a constituição de famílias.

Em situações de crise econômica as prostitutas podiam inclusive ter a atividade econômica formalmente reconhecida para serem assim tributadas e logo depois expostas a bárbaras legislações que permitiam ter o corpo marcado a ferro para que o estigma na pele fosse o sinal para a institucionalização de outras formas terríveis de discriminação.

Recentemente em sociedades mais liberais, a prostituição se transforma em profissão formalmente reconhecida estando assim regulada pelas demarcações jurídicas e políticas. Os corpos que se prostituíam poderiam assim se transformar em objetos de controle sanitário pelas ações de saúde pública ao mesmo tempo em que eram mais aceitos pela mesma mentalidade que entronizava a radicalidade da liberdade individual. Liberar para melhor regular, delimitar e taxar!

Particularmente tenho enorme respeito pelas prostitutas. Quem disse que elas tem uma “vida fácil” deveria ser processado por injúria e difamação. Mas, digamos que a difícil vida da prostituta pode não se traduzir necessariamente pelas ideias que muitos possuem da ausência de uma sexualidade associada ao romantismo e o afeto. Uma rápida conversa com elas mostrará que são mulheres que se apaixonam, amam e cuidam. O que mais dói talvez seja a constatação do preconceito infame e hipócrita, como se as prostitutas fossem portadoras de uma doença moral que “contamina” e que induz ao erro pela má exemplificação.

Na maior parte das vezes esse dedo acusador vem de setores sociais que deveriam colocar em prática a moralidade que dizem acreditar. Julgam e apedrejam quando seu mestre exortou àqueles que fossem livres de pecado para apedrejar a mulher adúltera. No evangelho ninguém lançou pedra alguma, já hoje em dia….

A pouco tempo o Ministério da Saúde voltou atrás na veiculação de uma campanha que protagonizava a prostituta, que a colocava na primeira pessoa, que elevava sua autoestima sinalizando orgulho pelo que ela era e fazia ao mesmo tempo em que exortava seus clientes a se protegerem de DSTs a partir do uso de preservativos. A pressão política de setores ligados a movimentos de cunho evangélico tiveram sucesso em abortar a campanha e causou tremores nas estruturas internas do Ministério.

 

Muitas consequências podem ser tiradas desse triste evento. Uma delas é que, ao que parece, existem limites de quem pode e não pode expressar-se em campanhas institucionais. Previsível que se a prostituta não pode falar de si mesma e mobilizar pessoas para produção de saúde, o mesmo se poderia dizer de presidiários, dependentes químicos e outros segmentos considerados por determinados setores, embora dignos de amor, portadores de chagas que atacam a alma e enfraquecem o espírito. Talvez se a prostituta representada por Julia Roberts em “Uma Linda Mulher” protagonizasse a campanha do Ministério causaria menos alvoroço, afinal, dramatizava a velha fábula em que uma mulher encontra seu príncipe encantado para deixar de ser prostituta e assumir o confortável lugar de uma dona de casa. O amor limpa toda a imoralidade que a devassidão provoca! 

O que retirou as prostitutas dos flanelógrafos das unidades básicas e hospitais do SUS talvez não tenha sido a exposição de mulheres que faziam sexo por dinheiro. NÃO! O que mobilizou as forças da Família, Tradição e Propriedade a pressionarem instâncias governamentais foi o fato de que pessoas que não compartilhavam de seus valores morais se considerarem FELIZES, portadoras de ORGULHO e assim CIDADÃS que exortavam práticas de cuidado e saúde. Por trás do discurso de defesa dos valores morais, em pele de cordeiro, o velho lobo do preconceito e da incapacidade de se conviver com a diferença!