O dia depois de amanhã.

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A homenagem aos bravos que foram em direção a crise é imprescindível. É mais um passo na difícil tarefa de atribuir sentido ao absurdo e fazer possível a esperança de seguir em frente. Não seremos, em muitos e multifacetados sentidos, o que tínhamos sido até então. Mas na força e no esforço daqueles que estiveram em Santa Maria nos últimos nove dias é que encontraremos alguma luz para iluminar o que vem adiante.

Uma profunda consciência dos dias que nos aguardam tomou conta de todos nós. Os trabalhadores da saúde seguirão na linha de frente de um mundo, cada vez mais complexo e permeado pela tentativa recorrente de lidar com desventuras e negligências em série.

Aquilo que acontece de forma crônica no trânsito, nas violência urbana nas periferias, explode em tragédias que unem a sociedade em momentos de profunda comoção e tragédia. A morte que encontrávamos ao longo de um sem número de plantões, diluídos no correr da horas, dias, meses e anos, agora nos encontra em uma única ocasião, materializada nos minutos, nas horas e dias como estes que temos vivido.

Minha querida chefe, colega e amiga Loiva Leite foi chamada e abandonou as férias.  Pelo CRP-RS e pela Coordenação da Área Técnica de Saúde Mental da Secretaria Municipal da Saúde, esteve na primeira hora de apoio aos familiares – no reconhecimento e no velório das vítimas. Sinto um imenso orgulho e respeito, que até aqui foi meu silêncio, pelos que foram fazer o indispensável e inesperado trabalho que tinha que ser feito. 

Nós que ficamos distantes do centro dos acontecimentos, eu ainda em férias, permanecemos mobilizados, procurando  articular e apoiar, mas angustiados com as imagens que os relatos evocam. Não a imagem sensacionalista da mídia, mas a descrição afetiva que dispersa pelas redes o impacto do que ocorreu, que nos ajuda a construir um sentido coletivo para a tragédia.

A esperança vai criando um local para o que não pode ser descrito e que por isso mesmo deve ser narrado. Alivia o fardo de quem sofreu no corpo e na alma o impacto das horas mais difíceis de toda uma geração. E prepara o afetuoso abraço que ofertamos aos colegas que sofreram na face os primeiros efeitos da tragédia.

O que está fraturado no espírito de nosso tempo e nas almas de cada um de nós, deverá ser o evento que clamará por novos cuidados, novas afecções, um jeito de ser coletivo que nos irmane em uma comunidade de destino, permeada por vínculos de risco. Uma maneira diferente, nova e eficaz de sermos humanos e civilizados. Somos todos Santa Maria, somos todos luto, angústia e esperança.

Bravo aos colegas que o destino colocou diante do absurdo e dele extraíram o sentido para acreditarmos no devir de uma humanidade mais conectada, mais solidária e fraterna. Contem com todos e cada um de nós que distantes fisicamente, silenciosos em nosso respeito, seguiremos os abraçando e acolhendo com todo o amor que nos for permitido transbordar.

Parabéns e obrigado, por serem possíveis em um mundo em que são indispensáveis, como disse o Gustavo!