Drogas e situação de rua: o “Consultório de Rua” como estratégia.

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Esta semana tive a grata satisfação de participar de uma reunião entre o Departamento de Saúde Mental de Juiz de Fora e a Secretaria de Assistência Social, cujo objetivo era apresentar o “Consultório de Rua”: modalidade de intervenção implantada no município há cerca de dois meses, com o propósito de ofertar ações de proteção, promoção, cuidado e prevenção em saúde para população em situação de rua.

O “Consultório de Rua” é uma experiência que surgiu no final da década de 90, em Salvador, com a finalidade de atender a pessoas em situação de risco e vulnerabilidade social, agravados pelo do uso ou dependência de drogas. A ideia é a de um consultório a céu aberto, itinerante, provido de equipe multiprofissional, que ofereça atendimento no contexto de vida do sujeito em situação de rua, promovendo acessibilidade a serviços de saúde e assistência, garantindo cidadania e exercício de direitos, e resgatando os laços familiares, comunitários e/ou sociais. Os princípios que norteiam tal estratégia são os mesmos do SUS – universalidade, equidade e integralidade – e outros não menos importantes: respeito ao modo de vida do sujeito, respeito aos direitos humanos e a utilização da estratégia de redução de danos.

Atender a demanda por cuidados a pessoas com problemas relacionados ao uso de drogas tem sido um grande desafio para as políticas públicas nos últimos tempos, especialmente nos casos onde estão associados a eles: situação de rua, miséria social, exclusão, abandono e marginalidade, invariavelmente resultando naquilo que têm se chamado genericamente de “cracolândia”. Muitos municípios estão optando por estratégias meramente higienistas para intervir nesses espaços, sendo que elas podem ser de dois tipos: as que espantam e as que recolhem. As que espantam, vão apenas fazer com que essas pessoas migrem para outro lugar, obviamente que para um lugar semelhante ao anterior. As que recolhem (compulsoriamente ou não) também acreditam que o problema é solucionado quando o levamos para outro local, só que dessa vez apostam em instituições de amparo social ou clínicas de recuperação.

Os resultados dessas estratégias higienistas são semelhantes àqueles que conseguimos ao limpar a sala de estar varrendo a sujeira pra debaixo do tapete, ou seja, maquiagem provisória. As intervenções baseadas no recolhimento se sustentam num princípio clássico do tratamento em saúde: é preciso isolar para tratar. É claro que tal princípio é bem adequado para tratar daquelas doenças onde a contaminação ou o contágio façam parte dos sintomas. Mas em se tratando de uma "doença" onde o isolamento e o prejuízo social já estão instalados, sendo tão nocivos quanto a própria doença, será que o “isolar para tratar” é tão eficaz?

Mais uma vez temos sido tentados a criar novos muros, muros que separem, delimitem e isolem, a primeira vista em nome do tratamento, mas também em nome daquilo que tememos, do que não compreendemos, não aceitamos e não sabemos como lidar. Fizemos assim com os doentes mentais, criamos muros que nos separavam deles, para depois de muitas décadas entendermos que, na verdade, deveríamos ter criado pontes. E afinal, concluímos que as pontes têm sido infinitamente mais eficazes para tratar que os muros. No caso das drogas, seria uma pena gastarmos tempo, material humano e recursos públicos com os muros que já sabemos, mais cedo ou mais tarde, demonstrarão seu fracasso (na verdade, já estão demonstrando).

Os “Consultórios de Rua”, por sua vez, apostam nas pontes. Pontes que acolhem ao invés de recolher e aproximam ao invés de espantar. Imagino que em termos arquitetônicos deva ser muito mais difícil construir pontes do que muros, assim como é muito mais difícil aproximar do que espantar. Acolher também é bem mais trabalhoso que recolher, porque leva em conta o querer de quem está sendo acolhido, ao passo que o recolher só leva em conta o querer de quem recolhe.

Mas, enfim, se estamos procurando as estratégias mais eficientes, estruturadas e duradouras não podemos recuar diante das dificuldades e fico feliz que meu município não tenha recuado. E espero, ansiosamente, que muito mais pontes como essa sejam construídas.